Criar uma Loja Virtual Grátis
Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

Rating: 3.0/5 (178 votos)




ONLINE
1




Partilhe esta Página





 


Contos espíritas
Contos espíritas

 

                                     Verdugo e vítima

O rio transbordava.
Aqui e ali, na crista espumosa da corrente pesada, boiavam animais mortos ou deslizavam toras e ramarias.Vazantes em torno davam expansão ao crescente lençol de massa barrenta.
Famílias inteiras abandonavam casebres, sob a chuva, carregando aves espantadiças, quando não estivessem puxando algum cavalo magro.
Quirino, o jovem barqueiro, que vinte e seis anos de sol no sertão haviam enrijado de todo, ruminava plano sinistro.
Não longe, em casinhola fortificada, vivia Licurgo, conhecido usuário das redondezas.
Todos o sabiam proprietário de pequena fortuna a que montava guarda vigilante.
Ninguém, no entanto, poderia avaliar-lhe a extensão, porque, sozinho envelhecera e sozinho atendia às próprias necessidades.
– “O velho – dizia Quirino de si para consigo – será atingido na certa. É a primeira vez que surge uma cheia como esta. Agarrado aos próprios haveres, será levado de roldão… E se as águas devem acabar com tudo, porque não me beneficiar? O homem já passou dos setenta… Morrerá a qualquer hora. Se não for hoje, será amanhã, depois de amanhã… E o dinheiro guardado? Não poderia servir para mim, que estou moço e com pleno direito ao futuro?…”
O aguaceiro caía sempre, na tarde fria.
O rapaz, hesitante, bateu à porta da choupana molhada.
– “Seu” Licurgo! “Seu” Licurgo!…
E, ante o rosto assombrado do velhinho que assomara à janela, informou:
– Se o senhor não quer morrer, não demore. Mais um pouco de tempo e as águas chegarão.
Todos os vizinhos já se foram…
Não, não… – resmungou o proprietário -, moro aqui há muitos anos. Tenho confiança em Deus e no rio… Não sairei.
– Venho fazer-lhe um favor…
– Agradeço, mas não sairei.
Tomado de criminoso impulso, o barqueiro empurrou a porta mal fechada e avançou sobre o velho, que procurou em vão reagir.
– Não me mate assassino!
A voz rouquenha, contudo, silenciou nos dedos robustos do jovem.
Quirino largou para um lado o corpo amolecido, como traste inútil, arrebatou pequeno molho de chaves do grande cinto e, em seguida, varejou todos os escaninhos…
Gavetas abertas mostravam cédulas mofadas, moedas antigas e diamantes, sobretudo diamantes.
Enceguecido de ambição, o moço recolhe quanto acha.
A noite chuvosa descerra completa…
Quirino toma os despojos da vítima num cobertor e, em minutos breves, o cadáver mergulha no rio.
Logo após, volta à casa despovoada, recompõe o ambiente e afasta-se, enfim, carregando a fortuna.
Passado algum tempo, o homicida não vê que uma sombra se lhe esgueira à retaguarda.
É o Espírito de Licurgo, que acompanha o tesouro.
Pressionado pelo remorso, o barqueiro abandona a região e instala-se em grande cidade, com pequena casa comercial, e casa-se, procurando esquecer o próprio arrependimento, mas recebe o velho Licurgo, reencarnado, por seu primeiro filho…
Contos Desta e Doutra Vida
(psicografia Chico Xavier – espírito Humberto de Campos)
22/02/2017

 

                           O homem bom

Conta-se que Jesus, após narrar a Parábola do Bom Samaritano, foi novamente interpelado pelo doutor da lei que, alegando não lhe haver compreendido integralmente a lição, perguntou, sutil:

– Mestre, que farei para ser considerado homem bom?

Evidenciando paciência admirável, o Senhor respondeu:

– Imagina-te vitimado por mudez que te iniba a manifestação do verbo escorreito e pensa quão grato te mostrarias ao companheiro que falasse por ti a palavra encarcerada na boca.

Imagina-te de olhos mortos pela enfermidade irremediável e lembra a alegria da caminhada, ante as mãos que te estendessem ao passo incerto, garantindo-te a segurança.

Imagina-te caído e desfalecente, na via pública, e preliba o teu consolo nos braços que te oferecessem amparo, sem qualquer desrespeito para com os teus sofrimentos.

Imagina-te tocado por moléstia contagiosa e reflete no contentamento que te iluminaria o coração, perante a visita do amigo que te fosse levar alguns
minutos de solidariedade.

Imagina-te no cárcere, padecendo a incompreensão do mundo, e recorda como te edificaria o gesto de coragem do irmão que te buscasse testemunhar entendimento.

Imagina-te sem pão no lar, arrostando amargura e escassez, e raciocina sobre a felicidade que te apareceria de súbito no amparo daqueles que te levassem leve migalha de auxílio, sem perguntar por teu modo de crer e sem te exigir exames de consciência.

Imagina-te em erro, sob o sarcasmo de muitos, e mentaliza o bálsamo com que te aclamarias, diante da indulgência dos que te desculpassem a falta,
alentando-te o recomeço.

Imagina-te fatigado e intemperante observa quão reconhecido ficarias para
com todos os que te ofertassem a oração do silêncio e a frase de simpatia.

Em seguida ao intervalo espontâneo, indagou-lhe o Divino Amigo:

– Em teu parecer, quais teriam sido os homens bons nessas circunstâncias?

– Os que usassem de compreensão e misericórdia para comigo – explicou o
interlocutor.

– Então – repetiu Jesus com bondade – segue adiante e faze também o mesmo.

Chico Xavier (Médium) Emmanuel (Espírito)

09/01/2017

                        No caminho do amor

Em Jerusalém, nos arredores do Templo, adornada mulher encontrou um nazareno, de olhos fascinantes e lúcidos, de cabelos delicados e melancólico sorriso, e fixou-o estranhamente.

Arrebatada na onda de simpatia a irradiar-se dele, corrigiu as dobras da túnica muito alva, colocou no olhar indizível expressão de doçura e, deixando perceber, nos meneios do corpo frágil, a visível paixão que a possuíra de súbito, abeirou-se do desconhecido e falou, ciciante:

– Jovem, as flores de Séforis encheram-me a ânfora do coração com deliciosos perfumes. Tenho felicidade ao teu dispor, em minha loja de essências finas…

Indicou extensa vila, cercada de rosas, à sombra de arvoredo acolhedor, e ajuntou:

– Inúmeros peregrinos cansados me buscam à procura do repouso que reconforta. Em minha primavera juvenil, encontram o prazer que representa a coroa da vida. É que o lírio do vale não tem a carícia dos meus braços e a romã saborosa não possui o mel de meus lábios. Vem e vê! Dar-te-ei leito macio, tapetes dourados e vinho capitoso… Acariciar-te-ei a fronte abatida e curar-te-ei o cansaço da viagem longa! Descansarás teus pés em água de nardo e ouvirás, feliz, as harpas e os alaúdes de meu  jardim.  Tenho a meu serviço músicos e dançarinas, exercitados em palácios ilustres!…

Ante a incompreensível mudez do viajor, tornou, súplice, depois de leve pausa:

– Jovem, por que não respondes? Descobri em teus olhos diferente chama e assim procedo por amar-te. Tenho sede de afeição que me complete a vida. Atende! atende!…

Ele parecia não perceber a vibração febril com que semelhantes palavras eram pronunciadas e, notando-lhe a expressão fisionômica indefinível, a vendedora de essências acrescentou um tanto agastada:

– Não virás?

Constrangido por aquele olhar esfogueado, o forasteiro apenas murmurou:

– Agora, não. Depois, no entanto, quem sabe?!…

A mulher, ajaezada de enfeites, sentindo-se desprezada, prorrompeu em sarcasmos e partiu.

Transcorridos dois anos, quando Jesus levantava paralíticos, ao pé do Tanque de Betesda, venerável anciã pediu-lhe socorro para infeliz criatura, atenazada de sofrimento.

O Mestre seguiu-a, sem hesitar.

Num pardieiro denegrido, um corpo chagado exalava gemidos angustiosos.

A disputada mercadora de aromas ali se encontrava carcomida de úlceras, de pele enegrecida e rosto disforme. Feridas sanguinolentas pontilhavam-lhe a carne, agora semelhante ao esterco da terra. Exceção dos olhos profundos e indagadores, nada mais lhe restava da feminilidade antiga. Era uma sombra leprosa, de que ninguém ousava aproximar.

Fitou o Mestre e reconheceu-o.

Era o mesmo mancebo nazareno, de porte sublime e atraente expressão.

O Cristo estendeu-lhe os braços, tocado de intraduzível ternura e convidou:

– Vem a mim, tu que sofres! Na Casa de Meu Pai, nunca se extingue a esperança.

A interpelada quis recuar, conturbada de assombro, mas não conseguiu mover os próprios dedos, vencida de dor.

O Mestre, porém, transbordando compaixão, prosternou-se fraternal, e aconchegou-a, de manso…

A infeliz reuniu todas as forças que lhe sobravam e perguntou, em voz reticenciosa e dorida:

– Tu?… O Messias Nazareno?… O Profeta que cura, reanima e alivia?!… Que vieste fazer, junto de mulher tão miserável quanto eu?

Ele, contudo, sorriu benevolente, retrucando apenas:

– Agora, venho satisfazer-te os apelos.

E, recordando-lhe as palavras do primeiro encontro, acentuou, compassivo:

– Descubro em teus olhos diferente chama e assim procedo por amar-te.

Médium: Chico Xavier  Espírito: Irmão X

09/12/2016

                        Explicação do Mestre

Em plena conversação edificante, Sara, a esposa de Benjamim, o criador de cabras, ouvindo comentários do Mestre, nos doces entendimentos do lar de Cafarnaum, perguntou, de olhos fascinados pelas revelações novas:
– A idéia do Reino de Deus, em nossas vidas, é realmente sublime; todavia, como iniciar-me nela? Temos ouvido as pregações à beira do lago e sabemos que a Boa Nova aconselha, acima de tudo, o amor e o perdão… Eu desejaria ser fiel a semelhantes princípios, mas sinto-me presa a velhas normas. Não consigo desculpar os que me ofendem, não entendo uma vida em que troquemos nossas vantagens pelos interesses dos outros, sou apegada aos meus bens e ciumenta de tudo o que aceito como sendo propriedade minha.

A dama confessava-se com simplicidade, não obstante o sorriso desapontado de quem encontra obstáculos quase invencíveis.

– Para isso – comentou Pedro -, é indispensável a boa vontade.

– Com fé em Nosso Pai Celestial – aventurou a esposa de Simão -, atravessaremos os tropeços mais duros.

Em todos os presentes transparecia ansiosa expectativa quanto ao pronunciamento do Senhor, que falou, em seguida a longo silêncio:

– Sara, qual é o serviço fundamental de tua casa?

– É a criação de cabras – redargüiu a interpela, curiosa.

– Como procedes para conservar o leite inalterado e puro no beneficio doméstico?

– Senhor, antes de qualquer providência, é imprescindível lavar, cautelosamente, o vaso em que ele será depositado. Se qualquer detrito ficar na ânfora, em breve todo o leite se toca de franco azedume e já não servirá para os serviços mais delicados.

Jesus sorriu e explanou:

– Assim é a revelação celeste no coração humano. Se não purificarmos o vaso da alma, o conhecimento, não obstante superior, se confunde com as sujidades de nosso íntimo, como que se degenerando, reduzindo a proporção dos bens que poderíamos recolher. Em verdade, Moisés e os Profetas foram valorosos portadores de mensagens divinas, mas os descendentes do Povo Escolhido não purificaram suficientemente o receptáculo vivo do espírito para recebê-las. É por isto que os nossos contemporâneos são justos e injustos, crentes e incrédulos, bons e maus ao mesmo tempo. O leite puro dos esclarecimentos elevados penetra o coração como alimento novo, mas aí se mistura com a ferrugem do egoísmo velho. Do serviço renovador da alma restará, então, o vinagre da incompreensão, adiando o trabalho efetivo do Reino de Deus.

A pequena assembléia, na sala de Pedro, recebia a lição sublime e singela, comovidamente, sem qualquer interferência verbal.

O Mestre, porém, levantando-se com discrição e humildade, afagou os cabelos da senhora que o interpelara e concluiu, generoso:

– O orvalho num lírio alvo é diamante celeste, mas, na poeira da estrada, é gota lamacenta. Não te esqueças desta verdade simples e clara da Natureza.

Chico Xavier (médium)
Neio Lúcio (espírito) Livro: Jesus no Lar

22/10/2016

                             Os vira latas

Desaparecera Nelito, o filhinho do industrial Sérgio Luce.

A família viera da cidade passar o fim de semana no apagado burgo madeireiro. E Manoel, o pequeno Nelito, de quatro anos, embrenhara-se na mata enorme que circundava a localidade.

Duas horas longas de expectativa.

A senhora Luce chorava ao pé do marido preocupado. Amigos chegando. Servidores em movimento. Lá estavam as pessoas mais salientes da vila. O médico, o sacerdote, o juiz, alguns professores e o antigo advogado, Dr. Nascimento Júnior, muito conhecido pela sua intransigência religiosa.

Humilde, apareceu também Florêncio Gama, o diretor do templo espírita recém-fundado. Misturava-se, em sua roupa surrada, à turba palradora, no grande portão da entrada, sustendo dois cães arrepiados, em corda curta.

– Florêncio! Florêncio, venha cá!

Era o Dr. Nascimento a chamá-lo. O operário simples, de chapéu na mão e segurando os cachorros mansos, foi atender.

Talvez desejando humilhá-lo, o causídico pronunciou grande sermão.

Não estimava saber que um templo espírita se erguera.

Respeitava em Florêncio um homem de bem. Trabalhador correto. Ordeiro. Entretanto, não queria vê-lo nas fileiras espíritas. E acrescentava que os espíritas não eram cristãos tradicionais. Não tinham classe. Discutiam livremente o Evangelho do Senhor. E isso parecia desrespeito.

A Doutrina Espírita, a seu ver, constituía desordenado movimento do povo. Sem pastor visível. Sem qualquer linha aristocrática na direção. Que o amigo lhe desculpasse. A hora de inquietude não comportava o assunto; contudo, não conseguia furtar-se ao ensejo.

Florêncio ouviu calado.

Explicou que desejava simplesmente cooperar na busca. E pediu uma roupa usada pela criança.

A senhora Luce atendeu.

Em seguida, solicitou a presença dos cães que habitavam a casa. Vieram à sala quatro buldogues solenes, cinco dinamarqueses fidalgos, dois “fox-terriers” e uma cadelinha bassé”.

Florêncio deu-lhes a roupa da criança a cheirar, mas não se moveram.

A seguir, repetiu a operação com os dois cãezinhos que o acompanhavam. Latiram, impacientes. E libertos correram para a mata, voltando, daí a alguns minutos, ladrando alegremente.

– “Sigamo-los – disse Florêncio -, tudo indica que a criança foi encontrada”.

Todo o grupo avançou.

Com efeito, em pouco tempo, seguindo os cães, surpreenderam a criança dormindo num monte de palha seca.

Os animais ganiam, felizes, como quem havia cumprido agradável dever.

Júbilo geral.

Florêncio recolheu os companheiros para a volta, e, dirigindo-se bem-humorado, ao Dr. Nascimento, disse-lhe:

– Olhe a lição, doutor. O senhor, decerto, enganou-se ao, dizer que a Doutrina Espírita não possui representantes respeitáveis. Temos, sim. E muitos. Agora, quanto a sermos uma religião do povo, lembre-se de que os cães de raça, embora valiosíssimos. Ficaram em casa emproados e preguiçosos. Nossos cachorros anônimos, porém, não hesitaram…

E terminou, contente:

– Conforme o senhor disse, os espíritas podem ser os vira-latas do canil terrestre, segundo o seu conceito, mas procuram trabalhar, aprendendo a servir…

Waldo Vieira (médium)
Hilário Silva (espírito) Livro: Almas em Desfile

05/09/2016

                                                          Porquê?

Enquanto o ônibus deslizava de Nova Iorque para Miami, Adolph Hunt, proprietário de extensos pomares na Flórida, dizia para o companheiro de poltrona.

– Imagine você, Fred, que andam veiculando por aí supostos recados do Espírito de meu pai, falando em virtude e regeneração… Aperfeiçoamento é negócio de tempo. Hoje em dia, qualquer menino sabe o que vem a ser evolução… Ora, se ninguém pode trair a obra gradativa do progresso, para que essa máquina aparatosa de Espíritos e médiuns, fenômenos e mensagens que o Espiritismo pretende acionar, no mundo, em nome de Deus e de imaginários Mensageiros Divinos? Pode você dizer-me o que Deus tem lá com isso? Ou, ainda, que têm conosco os chamados Amigos Espirituais?

O interlocutor, encorajado pela atenção de outros ouvintes, gargalhava irônico e chancelava:

– Eu também creio assim… Estamos com Deus ou com a evolução…

Mediunidade é balela. Nem Deus e nem Espíritos interferirão com as leis da vida…

A conversa alongou-se, nesse tom, quando Adolph, chegado ao ponto de destino, veio a saber por um amigo que a sua maior estância havia sido varrida por violento furacão…

De pronto, valeu-se do automóvel e tocou para o sítio indicado e oh desolação! Centenas de árvores frutíferas, notadamente as laranjeiras de classe, jaziam mutiladas ou retorcidas, exigindo cuidados imediatos.

Terrivelmente surpreendido, ele, que acima de tudo amava o enorme pomar, convocou os filhos ausentes e os empregados de sua organização a trabalho reparador e, durante quatro dias compridos, nos quais ele próprio não descansou, a enorme chácara recebeu socorro e restauração.

Na quinta noite, após o desastre, quando pôde enfim entregar-se ao repouso, sonhou com o pai, a dizer-lhe com benevolente sorriso:

– Meu filho, se você, meus netos e os nossos cooperadores de serviço, imperfeitos como ainda são, se empenharam, com tanto carinho, pela salvação de um laranjal, porque negar a Deus, nosso Pai de Infinito Amor e aos Bons Espíritos, nossos Irmãos Maiores, o direito de se interessarem pela melhoria da Humanidade?

Adolph Hunt, retomou o corpo físico e prosseguiu escutando a voz paterna a se lhe entranhar na acústica da alma:

– Porquê? Porquê, meu filho?

Waldo Vieira (médium)
Hilário Silva (espírito) Livro: Entre Irmãos de Outras Terras

18/08/2016

                        A salvação inesperada

Num país europeu, certa tarde, muito chuvosa, um maquinista, cheio de fé em Deus, começando a acionar a locomotiva com o trem repleto de passageiros para longa viagem, fixou o céu escuro e repetiu, com sentimento a oração dominical.

O comboio percorreu léguas e léguas, dentro das trevas densas, quando, alta noite, ele viu, a luz do farol aceso, alguns sinais que lhe pareceram feitos pela sombra de dois braços angustiados a lhe pedirem socorro.

Emocionado, fez o trem parar, de repente, e, seguido de muitos viajantes, correu pelos trilhos de ferro, procurando verificar se estavam
ameaçados de algum perigo.

Depois de alguns passos, foram surpreendidos por gigantesca inundação que, invadindo a terra com violência, destruíra a ponte que o comboio deveria atravessar.

O trem fora salvo, milagrosamente.

Tomados de infinita alegria, o maquinista e os viajores procuraram a pessoa que lhes fornecera o aviso salvador, mas ninguém aparecia. Intrigados, continuaram na busca, quando encontraram no chão um grande morcego agonizante. O enorme voador batera as asas, á frente do farol, em forma de dois braços agitados, e caíra sob as engrenagens. O maquinista retirou-o com cuidado e carinho, mostrou-o aos passageiros assombrados e contou como orara, ardentemente, invocando a proteção de Deus, antes de partir. E, ali mesmo, ajoelhou-se, ante o morcego que acabava antes de morrer, exclamando em alta voz:

Pai Nosso, que estás no céu, santificado seja o teu nome, venha a nós o teu reino, seja feita a tua vontade, assim na Terra como no Céu: o pão nosso de cada dia dá-nos hoje, perdoa as nossas dívidas, assim como perdoamos os nossos devedores, não nos deixes cair em tentação e livra-nos do mal, porque teu é o reino, o poder e a glória para sempre. Assim seja.

Quando acabou de orar, grande quietude reinava na paisagem.Todos os passageiros, crentes e descrentes, estavam ajoelhados, repetindo a prece com amoroso respeito. Alguns choravam de emoção e reconhecimento, agradecendo ao Pai Celestial, que lhes salvara a vida, por intermédio de um animal que infunde tanto pavor às criaturas humanas. E até a chuva parara de cair, como se o céu silencioso estivesse igualmente acompanhado acompanhando a sublime oração.

Meimei
Fonte: O Mensageiro

07/08/2016

                               Não perdoar

Bezerra de Menezes, já devotado à Doutrina Espírita, almoçava, certa feita, em casa de Quintino Bocaiúva, o grande republicano, e o assunto era o Espiritismo, pelo qual o distinto jornalista passara a interessar-se.

Em meio da conversa, aproxima-se um serviçal e comunica ao dono da casa:

– Doutor, o rapaz do acidente está aí com um policial.

Quintino, que fora surpreendido no gabinete de trabalho com um tiro de raspão, que, por pouco, não lhe atingiu a cabeça, estava indignado com o servidor que inadvertidamente fizera o disparo.

– Manda-o entrar – ordenou o político.

– Doutor – roga o moço preso, em lágrimas -, perdoe o meu erro! Sou pai de dois filhos…                

Compadeça-se! Não tinha qualquer má intenção… Se o senhor me processar, que será de mim? Sua desculpa me livrará! Prometo não mais brincar com armas de fogo! Mudarei de bairro, não incomodarei o senhor…

O notável político, cioso da própria tranqüilidade, respondeu:

– De modo algum. Mesmo que o seu ato tenha sido de mera imprudência, não ficará sem punição.

Percebendo que Bezerra se sentia mal, vendo-o assim encolerizado, considerou, à guisa de resposta indireta:

– Bezerra, eu não perdôo, definitivamente não perdôo…

Chamado nominalmente à questão, o amigo exclamou desapontado:

– Ah! você não perdoa!

Sentindo-se intimamente desaprovado, Quintino falou, irritado:

– Não perdôo erro. E você acha que estou fora do meu direito?

O Dr. Bezerra cruzou os braços com humildade e respondeu:

– Meu amigo, você tem plenamente o direito de não perdoar, contanto que você não erre…

A observação penetrou Quintino como um raio.

O grande político tomou um lenço, enxugou o suor que lhe caía em bagas, tornou à cor natural, e, após refletir alguns momentos, disse ao policial:

Solte o homem. O caso está liquidado.

E para o moço que mostrava profundo agradecimento:

– Volte ao serviço hoje mesmo, e ajude na copa.

Em seguida, lançou inteligente olhar para Bezerra, e continuou a conversação no ponto em que haviam ficado.

Chico Xavier e Waldo Vieira (médiuns)
Hilário Silva (espírito)

 29/07/2016

                                                        Paciência

O caminhoneiro solitário seguia, com fome, à margem do rio.
Nervoso e impaciente, ia censurando a tudo e a todos, por achar-se em penúria.
Caminhava devagar, quando viu algo na estrada chamando-lhe a atenção.
Uma cédula!
Abaixou-se e colheu o achado.
Uma nota de cem cruzados, enrolada e manchada.
Contudo, para surpresa sua, era somente a metade da cédula, que apesar  de nova, fora inexplicavelmente cortada.
Ainda mais irritado, amarfanhou o papel valioso e atirou-o à correnteza do rio, blasfemando.
Deu mais alguns passos à frente, seguindo pela mesma estrada, quando surpreendeu outro fragmento de papel no solo.
Inclinou-se de novo e apanhou-o.
Era a outra metade da cédula que, enervado e contrafeito, havia projetado nas águas.
O vento separara as duas partes; ele, porém, não tivera a paciência de esperar alguns segundos, apenas.
Há sempre socorro às nossas necessidades.
No entanto, até para receber o auxílio da Divina Bondade ninguém prescinde de calma e da paciência.

Waldo Vieira (médium)
Valérium (espírito)

27/06/2016

                                                  Os Maiores Inimigos

Certa feita, Simão Pedro perguntou a Jesus:

– Senhor, como saberei onde vivem nossos maiores inimigos? Quero combatê-los, a fim de trabalhar com eficiência pelo Reino de Deus.

Iam os dois de caminho entre Cafarnaum e Magdala, ao sol rutilante de perfumada manhã.

O Mestre ouviu e mergulhou-se em longa meditação.

Insistindo, porém, o discípulo, ele respondeu benevolamente:

– A experiência tudo revela no momento preciso.

– Oh! – exclamou Simão, impaciente – a experiência demora muitíssimo.

O Amigo Divino esclareceu, imperturbável:

– Para os que possuem “olhos de ver” e “ouvidos de ouvir”, uma hora, às vezes, basta ao aprendizado de inesquecíveis lições.

Pedro calou-se, desencantado.

Antes que pudesse retornar às interrogações, notou que alguém se esgueirava por trás de velhas figueiras, erguidas à margem. O apóstolo empalideceu e obrigou o Mestre a interromper a marcha, declarando que o desconhecido era um fariseu que procurava assassiná-lo. Com palavras ásperas desafiou o viajante anônimo a afastar-se, ameaçando-o, sob forte irritação. E quando tentava agarrá-lo, à viva força, diamantina risada se fez ouvir. A suposição era injusta. Ao invés de um fariseu, foi André, o próprio irmão dele, quem surgiu sorridente, associando-se à pequena caravana.

Jesus endereçou expressivo gesto a Simão e obtemperou:

– Pedro, nunca te esqueças de que o medo é um adversário terrível.

Recomposto o grupo, não haviam avançado muito, quando avistaram um levita que recitava passagens da Tora e lhes dirigiu a palavra, menos respeitoso.

Simão inchou-se de cólera. Reagiu e discutiu, longe das noções de tolerância fraterna, até que o interlocutor fugiu, amedrontado.

O Mestre, até então silencioso, fixou no aprendiz os olhos muito lúcidos e inquiriu:

– Pedro, qual é a primeira obrigação do homem que se candidata ao Reino Celeste?

A resposta veio clara e breve:

– Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo.

– Terás observado a regra sublime, neste conflito? – continuou o Cristo, serenamente – recorda que, antes de tudo, é indispensável nosso auxílio ao que ignora o verdadeiro bem e não olvides que a cólera é um perseguidor cruel.

Mais alguns passos e encontraram Teofrasto, judeu grego dado à venda de perfumes, que informou sobre certo Zeconias, leproso curado pelo profeta nazareno e que fugira para Jerusalém, onde acusava o Messias com falsas alegações.

O pescador não se conteve. Gritou que Zeconias era um ingrato, relacionou os benefícios que Jesus lhe prestara e internou-se em longos e amargosos comentários, amaldiçoando-lhe o nome.

Terminando, o Cristo indagou-lhe:

– Pedro, quantas vezes perdoarás a teu irmão?

– Até setenta vezes sete – replicou o apóstolo, humilde.

O Amigo Celeste contemplou-o, calmo, e rematou:

– A dureza é um carrasco da alma.

Não atravessaram grande distância e cruzaram com Rufo Grácus, velho romano semiparalítico, que lhes sorriu, desdenhoso, do alto da liteira sustentada pelos escravos fortes.

Marcando-lhe o gesto sarcástico, Simão falou sem rebuços:

– Desejaria curar aquele pecador impenitente, a fim de dobrar-lhe o coração para Deus.

Jesus, porém, afagou-lhe o ombro e ajuntou:

– Por que instituiríamos a violência no mundo, se o próprio Pai nunca se impôs a ninguém?

E, ante o companheiro desapontado, concluiu:

– A vaidade é um verdugo sutil.

Daí a minutos, para repasto ligeiro, chegavam à hospedaria modesta de Aminadab, um seguidor das idéias novas.

À mesa, um certo Zadias, liberto de Cesaréia, se pôs a comentar os acontecimentos políticos da época. Indicou os erros e desmandos da Corte Imperial, ao que Simão correspondeu, colaborando na poda verbalística. Dignitários e filósofos, administradores e artistas de além-mar sofreram apontamentos ferinos. Tibério foi invocado com impiedosas recriminações.

Finda a animada palestra, Jesus perguntou ao discípulo se acaso estivera alguma vez em Roma.

O esclarecimento veio depressa:

– Nunca.

O Cristo sorriu e observou:

– Falaste com tamanha desenvoltura sobre o Imperador que me pareceu estar diante de alguém que com ele houvesse privado intimamente.

Em seguida, acrescentou:

– Estejamos convictos de que a maledicência é algoz terrível.

O pescador de Cafarnaum silenciou, desconcertado.

O Mestre contemplou a paisagem exterior, fitando a posição do astro do dia, como a consultar o tempo, e, voltando-se para o companheiro invigilante, acentuou, bondoso:

– Pedro, há precisamente uma hora procurava situar o domicilio de nossos maiores adversários. De então para cá, cinco apareceram, entre nós: o medo, a cólera, a dureza, a vaidade e a maledicência… Como reconheces, nossos piores inimigos moram em nosso próprio coração.

E, sorrindo, finalizou:

– Dentro de nós mesmos, será travada a guerra maior.

Chico Xavier (médium)
Irmão X (espírito) Livro: Luz Acima

16/06/2016

                                                        A Multa Maior

O recinto do Tribunal estava lotado, não tanto pela importância dos crimes que seriam julgados, mas pela presença do prefeito de Nova York, La Guardia, que costumava, nessas ocasiões, sentenciar casos policiais simples, com decisões que ficavam famosas pelo seu conteúdo de sabedoria e originalidade.

Um dos acusados fora pilhado em flagrante, roubando pão em movimentada padaria. O homem inspirava compaixão: muito magro, barba por fazer, roupas em desalinho – era a própria imagem da miséria!…

La Guardia submeteu-o, solene, ao interrogatório, consultou as testemunhas e, após rápida apreciação, considerou-o culpado, aplicando-lhe a multa de cinqüenta dólares. A alternativa seria a prisão…

Em seguida, dirigindo-se à pequena multidão que acompanhava, atenta o julgamento, disse, peremptório:

– Quanto aos presentes, estão todos condenados a pagar meio dólar cada um, importância que servirá para liquidar o débito do réu, restituindo-lhe a liberdade.

E ante a estupefação geral, acentuou:

– Estão multados por viverem numa cidade onde um homem é obrigado a roubar pão para matar a fome!…

Todos nós, habitantes de qualquer cidade do Mundo, estamos sujeitos a uma multa muito mais severa, a uma sanção muito mais grave – a frustração dos anseios de Felicidade, os desajustes intermináveis, as crises de angústia – por vivermos num planeta onde as palavras fraternidade, bondade, solidariedade, são enunciadas como virtudes raras, quando são apenas elementares deveres, indispensáveis à preservação do equilíbrio em qualquer comunidade.

Dizem os Espíritos Superiores que a Felicidade do Céu é socorrer a infelicidade da Terra. Diríamos que somente na medida em que estivermos dispostos a socorrer a infelicidade da Terra é que estaremos a caminho da Felicidade do Céu.

Não há alternativa. Podemos nos isolar da multidão aflita e sofredora, mas jamais estaremos bem, porquanto a infelicidade é o clima crônico dos que se fecham em si mesmos.

Mãos servindo são antenas que estendemos para a sintonia com as fontes da Vida e a captação das Bênçãos de Deus!

Richard Simonetti do Livro: Atravessando a Rua

06/06/2016

                         A salvação inesperada

Num país europeu, certa tarde, muito chuvosa, um maquinista, cheio de fé em Deus, começando a acionar a locomotiva com o trem repleto de passageiros para longa viagem, fixou o céu escuro e repetiu, com sentimento a oração dominical.

O comboio percorreu léguas e léguas, dentro das trevas densas, quando, alta noite, ele viu, a luz do farol aceso, alguns sinais que lhe pareceram feitos pela sombra de dois braços angustiados a lhe pedirem socorro.

Emocionado, fez o trem parar, de repente, e, seguido de muitos viajantes, correu pelos trilhos de ferro, procurando verificar se estavam
ameaçados de algum perigo.

Depois de alguns passos, foram surpreendidos por gigantesca inundação que, invadindo a terra com violência, destruíra a ponte que o comboio deveria atravessar.

O trem fora salvo, milagrosamente.

Tomados de infinita alegria, o maquinista e os viajores procuraram a pessoa que lhes fornecera o aviso salvador, mas ninguém aparecia. Intrigados, continuaram na busca, quando encontraram no chão um grande morcego agonizante. O enorme voador batera as asas, á frente do farol, em forma de dois braços agitados, e caíra sob as engrenagens. O maquinista retirou-o com cuidado e carinho, mostrou-o aos passageiros assombrados e contou como orara, ardentemente, invocando a proteção de Deus, antes de partir. E, ali mesmo, ajoelhou-se, ante o morcego que acabava antes de morrer, exclamando em alta voz:

Pai Nosso, que estás no céu, santificado seja o teu nome, venha a nós o teu reino, seja feita a tua vontade, assim na Terra como no Céu: o pão nosso de cada dia dá-nos hoje, perdoa as nossas dívidas, assim como perdoamos os nossos devedores, não nos deixes cair em tentação e livra-nos do mal, porque teu é o reino, o poder e a glória para sempre. Assim seja.

Quando acabou de orar, grande quietude reinava na paisagem.Todos os passageiros, crentes e descrentes, estavam ajoelhados, repetindo a prece com amoroso respeito. Alguns choravam de emoção e reconhecimento, agradecendo ao Pai Celestial, que lhes salvara a vida, por intermédio de um animal que infunde tanto pavor às criaturas humanas. E até a chuva parara de cair, como se o céu silencioso estivesse igualmente acompanhado acompanhando a sublime oração.

Meimei
Fonte: O Mensageiro

24/05/2016

                                                 A Sombra Do Burro

Certa vez, promovendo uma assembléia pública em Atenas para tratar de altos interesses da pátria grega, Demóstenes viu-se apupado pela turba impaciente, que fazia menção de retirar-se sem ouvi-lo. Então, elevando a voz, disse que tinha uma historia interessante a contar. Obteve, assim, silêncio e atenção, e começou:

– Certo jovem, precisando ir de sua casa até Mégara durante o auge do verão, alugou um burro, pondo-se a caminho. Quando o sol ficou a pino, ardentíssimo, tanto o moço como o dono do animal alugado tiveram vontade de sentar-se à sombra do burro, e começaram a empurrar-se mutuamente, a fim de ficar com o lugar. Dizia o dono do animal que apenas alugara o burro e não a sua sombra, e o outro afirmava que tendo pago o aluguel do burro, pagara também o de sua sombra, pois tudo quanto pertencia ao burro lhe fora alugado com ele…

A esta altura. Demóstenes levantou-se e fez menção de retirar-se. A multidão protestou, desejosa de ouvir o resto da historia. Foi então que o prodigioso orador, erguendo-se em toda a suas altura, e encarando com firmeza o auditório, declarou, a voz trovejante:

– Atenienses! Que espécie de homens sois, que insiste em saber a historia da sombra de um burro e recusais tomar conhecimento dos fatos mais graves que vos dizem respeito?

Só então pode fazer o discurso que pretendia, para um auditório envergonhado e atento, que, afinal, ficou sem saber o fim da historia da sombra do burro.

Antônio F. Rodrigues

Livro:Antologia Espírita e Popular “Mensagens dos Mestres”

17/05/2016

                  

                                     Mãe

Quando Jesus ressurgiu do túmulo, a negação e a dívida imperavam no círculo dos companheiros.

Voltaria Ele? Perguntavam, perplexos. Quase impossível. Seria Senhor da Vida Eterna quem se entregara na cruz, expirando entre malfeitores?

Maria Madalena, porém, a renovada, vai ao sepulcro de manhãzinha. E maravilhosamente surpreendida, vê o Mestre ajoelhando-se aos pés. Ouve-lhe a voz repassada de ternura, fixa-lhe o olhar sereno e magnânimo. Entretanto, para que a visão se lhe fizesse mais nítida, foi necessário organizar o quadro exterior. O jardim recendia perfumes para a sua sensibilidade feminina, a sepultura estava aberta, compelindo-a a raciocinar. Para que a gravação das imagens se tornassem bem clara, lavando-lhe todas cãs dúvidas da imaginação, Maria julgou a princípio que via o jardineiro. Antes da certeza, a perquirição da mente precedendo a consolidação da fé. Embriagada de júbilo, a convertida da Magdala transmite a boa-nova aos discípulos confundidos. Os olhos sombrios de quase todos se enchem de novo brilho.

Outras mulheres, como Joana de Cusa e Maria, mãe de Tiago, dirigem-se, ansiosas, para o mesmo local, conduzindo perfumes e preces gratulatórias. Não enxergam o Messias, mas entidades resplandecentes lhes falam do Mestre que partiu.

Pedro e João acorrem, pressurosos, e ainda vêem a pedra removida, o sepulcro vazio e apalpam os lençóis abandonados.

No colégio dos seguidores, travam-se polemicas discretas.

Seria? Não seria?

Contudo, Jesus, o Amigo Fiel, mostra-se aos aprendizes no caminho de Emaús, que lhe reconhecem a presença ao partir do pão e, depois, aparece aos onze cooperadores, num salão de Jerusalém. As portas permanecem fechadas e, no entanto, o Senhor demora-se, junto deles, plenamente materializado. Os discípulos estão deslumbrados, mas o olhar do Messias é melancólico. Diz-nos João Marcos que o Mestre lançou-lhes em rosto a incredulidade e a dureza de coração. Exorta-os a que o vejam, que o apalpem. Tomé chega a consultar-lhe as chagas para adquirir a certeza de que observa. O Celeste Mensageiro faz-se ouvir para todos. E, maia tarde, para que se convençam os companheiros de sua presença e da continuidade de seu amor, segue-os, em espírito, no labor da pesca. Simão Pedro regista-lhe carinhosas recomendações, ao lançar as redes, e encontra-o nas preces solitárias da noite.

Em seguida, para que os velhos amigos se certifiquem da ressurreição, materializa-se num monte, aparecendo a quinhentas pessoas da Galileia.

No Pentecostes, a fim de que os homens lhe recebam o Evangelho do Reino, organiza fenômenos luminosos e lingüísticos, valendo-se da colaboração dos companheiros, ante judeus e romanos, partos e medas, gregos e elamitas, cretenses e árabes. Maravilha-se o povo. Habitantes da Panfília e da Líbia, do Egito e da Capadócia ouvem a Boa-Nova no idioma que lhes é familiar.

Decorrido algum tempo, Jesus resolve modificar o ambiente farisaico e busca Saulo de Tarso para o seu ministério; entretanto, para isso é compelido a materializar-se no caminho de Damasco, a plena luz do dia. O perseguidor implacável, para convencer-se, precisa experimentar a cegueira temporária, após a claridade sublime; e para que Ananias, o servo leal, dissipe o temor e vá socorrer o ex-verdugo, é imprescindível que Jesus o visite, em pessoa, lembrando-lhe o obséquio fraternal.

Todos os companheiros, aprendizes, seguidores e beneficiários solicitaram a cooperação dos sentidos físicos para sentir a presença do Divino Ressuscitado. Utilizaram-se dos olhos mortais, manejaram o tato, aguçaram os ouvidos.

Houve, contudo, alguém que dispensou todos os toques e associações mentais, vozes e visões. Foi Maria, sua Divina Mãe. O Filho Bem-Amado vivia eternamente, no infinito mundo de seu coração. Seu olhar contemplava-o, através de todas as estrelas do Céu e encontrava-lhe o hálito perfumado em todas as flores da Terra. A voz d´Ele vibrava em sua alma e para compreender-lhe a sobrevivência bastava penetrar o iluminado santuário de si mesma. Seu filho – seu amor e sua vida – poderia, acaso, morrer? E embora a saudade angustiosa, consagrou-se à fé no reencontro espiritual, no plano divino, sem lágrimas, sem sombras e sem morte!…

Homens e mulheres do mundo, que haveis de afrontar, um dia, a esfinge do sepulcro, é possível que estejais esquecidos plenamente, no dia imediato ao de vossa partida, a caminho do Mais Além. Familiares e amigos, chamados ao imediatismo da luta humana, passarão a desconhecer-vos, talvez, por completo. Mas, se tiverdes um coração de mãe pulsando na Terra, regozijar-vos-ei, além da escura fronteira de cinzas, porque aí vivereis amados e felizes para sempre!

Chico Xavier (médium)
Irmão X (espírito)

11/05/2016

                                        O REENCONTRO

Margarida estava nervosa. Mesmo os passes de Jair e André não a acalmavam. Euforia e ansiedade. Um misto de nervosismo e alegria.

     - Querido amigo, ele vai sofrer muito?- perguntou ao mentor Jair.

   Jair esboçou um sorriso e afirmou:

    - Os irmãos espirituais estão fazendo o trabalho de desligamento. Fique tranquila.

     E, num leito de hospital, José sorria para os três filhos. O soro demorava a cair. Os rapazes choravam muito. José sentia intensa fraqueza. Sabia que iria partir e não tinha medo. Sentia o quarto cheio de luzes.

 - Papai, o senhor precisa se alimentar e reagir.-murmurou o filho mais novo.- Os médicos estão animados. O senhor melhorou muito. Os outros dois rapazes sorriram. Esperança de um milagre! José sorriu, mas seu pensamento estava muito longe dali. 

 - Filhos, sinto que minha hora está chegando. Por favor, não se desesperem. Não me peçam para ficar, porque não posso mais.- sua respiração ficou ofegante. 

   De repente, se desligou do corpo e viu dois Josés. Ele se viu em pé ao lado do leito. Outro José seguia com aspecto macilento na cama. José sorriu para o seu corpo em atitude respeitosa. Sessenta e dois anos de uma vida plena e feliz. Tudo ficou mais difícil quando Margarida, sua esposa o deixou depois de um enfarto fulminante há dez anos. Tinha certeza de que iria reencontrá-la. Sabia que seus rapazes ficariam bem.

  Pensou em seu grande amor. E, de repente, seu quarto se encheu de luz. Viu Margarida e dois seres de muita luz. Ficou tonto.

   -Viemos lhe buscar!-disse Margarida; a linguagem era telepática. Os médicos espirituais cortaram os laços que ligavam José ao carro físico. Veio o último suspiro. Os filhos se abraçaram e se ouviu um choro forte de dor.

  Margarida e José se reencontraram depois de aparentes dez anos de separação. Uma separação ilusória, porque ambos se viam às vezes durante o sono de José. Eram encontros cheios de amor. Encontros permitidos pela Espiritualidade para que José seguisse sua missão sem fraquejar. O amor verdadeiro é veloz como o tempo e milagroso. Viaja com a velocidade do pensamento. Almas afins se comunicam espiritualmente.Não há distancia. O amor supera as fronteiras da morte! É o milagre da mente e do pensamento. O milagre do amor!

 Passou-se algum tempo. Um dos filhos de José tomava café na cozinha e se lembrou do seu velho pai. Casa vazia. Seguiam os três rapazes na lida sem os pais. Havia saudade, mas não desespero. De repente, a lembrança forte do seu pai veio à tona. Lembrou-se das pescarias, das risadas, do sorriso encantador do Sr. José. O rapaz não viu, mas José estava ao seu lado. Agora, estava pronto para rever o lar. Margarida estava ao seu lado. O filho mais velho de José sentiu falta da mãe. Era Margarida que se aproximara dele. Ele sentiu o perfume dela. 

   Sorveu mais um gole do café. Pensou:

    - Pai, será que é verdade mesmo? Será que os mortos podem voltar?-pensou Eduardo.  Era um bom filho, mas incrédulo. De repente, a colher que estava em cima da mesa fez um movimento como se alguém tivesse tocado nela e caiu no chão.

     Era José que facilitara o efeito físico para que Eduardo despertasse para a Espiritualidade Maior. Mais tarde, durante o sono do corpo, Eduardo reencontrou os pais. Chorou copiosamente.

     No dia seguinte, contou o sonho aos irmãos. Os dois olharam para ele com certa incredulidade. De repente, um novo barulho. Um copo caiu no chão, mas não se quebrou. Eles se entreolharam amedrontados. Algo estava muito estranho!

   Alguns dias se passaram. Estava na hora dos rapazes despertarem para a vida espiritual.  Eduardo bateu à casa espírita. Sua mente estava cheia de perguntas. Meses depois, os irmãos o seguiram.

   No imenso céu da Espiritualidade Maior Margarida e José faziam novos planos. O céu estrelado e as promessas de uma nova vida!

  O amor é a estrada que une dois corações apaixonados! O amor verdadeiro jamais acaba mesmo que os espíritos estejam separados pelo véu da morte! !

    Tenha fé na vida eterna! Onde está a treva do desespero chega o amor com a esperança de um novo porvir. Ore e aguarde! A luz chegará através da oração, da aceitação e da serenidade. Deus tem todas as respostas, mas o Pai Eterno lhe dará todas as respostas de acordo com o seu grau de compreensão. Tudo tem sua hora certa!

     Aguarde os sinais dos entes queridos que estão na Espiritualidade Maior! Pense neles e , não somente no seu sofrimento! No momento da libertação eles precisam de você! Prove que ama de verdade e tudo ficará mais fácil!

03/05/2016

 

                              A Fama de Rico

O Coronel Manoel Rabelo, influente fazendeiro no Brasil Central, fora acometido de paralisia nas pernas. Vivia no leito, rodeado pelos filhos atentos. Muito carinho. Assistência contínua.

No decurso da doença, veio a conhecer a Doutrina Espírita, que lhe abriu novos horizontes à vida mental. Pouco a pouco desprendia-se da idéia de posse. Para que morrer com fama de rico? Queria agora a paz, a bênção da paz.

Viúvo, dono de expressiva fortuna e prevendo a desencarnação próxima, chamou os quatro filhos adultos e repartiu entre eles os seus bens. Terras, sítios, casas e animais, avaliados em seis milhões de cruzeiros, foram divididos escrupulosamente.

Com isso, porém, veio a reviravolta. Donos de riqueza própria, os filhos se fizeram distantes e indiferentes. Muito embora as rogativas paternas, as visitas eram raras e as atenções inexistentes.

Rabelo, muito triste e quase completamente abandonado, perguntava a si mesmo se não havia cometido precipitação ou imprudência. Os filhos não eram espíritas e mostravam irresponsabilidade completa.

Nessa conjuntura, apareceu-lhe antigo e inesperado devedor. O Coronel Antonio Matias, seu amigo da mocidade, veio desobrigar-se de empréstimo vultoso, que havia tomado sob palavra, e pagou-lhe dois milhões de cruzeiros, em cédulas de contado.

Na presença de dois dos filhos, Rabelo colocou o dinheiro em cofre forte, ao pé da cama. Sobreveio o imprevisto. Os quatro filhos voltaram às antigas manifestações de ternura. Revezavam-se junto dele. Papas de aveia. Caldos de galinha. Frutas e vitaminas. Mantinham-se cobertores quentes e fiscalizavam a passagem do vento pelas janelas. Raramente Rabelo ficava algumas horas sozinho.

E, assim, viveu ainda dois anos, desencarnando em grande serenidade.
Exposto o cadáver à visitação pública, fecharam-se os filhos no quarto do morto e, abrindo aflitivamente o cofre, somente encontraram lá um bilhete escrito e assinado pela vigorosa letra paterna, entre as páginas de surrado exemplar de “O Evangelho segundo o Espiritismo”.

O papel assim dizia: “Meus filhos, Deus abençoe vocês todos. O dinheiro que me restava distribuí entre vários amigos para obras espíritas de caridade. Lego, porém, a vocês, o capitulo décimo quarto de “O Evangelho segundo o Espiritismo”.

E os quatro, extremamente desapontados, leram a legenda que se seguia:
“Honrai a vosso pai e a vossa mãe. – Piedade filial”.

Waldo Vieira (médium)
Hilário Silva (espírito)  Livro: Almas em Desfile

25/04/2016

                               A Multa Maior

 

O recinto do Tribunal estava lotado, não tanto pela importância dos crimes que seriam julgados, mas pela presença do prefeito de Nova York, La Guardia, que costumava, nessas ocasiões, sentenciar casos policiais simples, com decisões que ficavam famosas pelo seu conteúdo de sabedoria e originalidade.

Um dos acusados fora pilhado em flagrante, roubando pão em movimentada padaria. O homem inspirava compaixão: muito magro, barba por fazer, roupas em desalinho – era a própria imagem da miséria!…

La Guardia submeteu-o, solene, ao interrogatório, consultou as testemunhas e, após rápida apreciação, considerou-o culpado, aplicando-lhe a multa de cinqüenta dólares. A alternativa seria a prisão…

Em seguida, dirigindo-se à pequena multidão que acompanhava, atenta o julgamento, disse, peremptório:

– Quanto aos presentes, estão todos condenados a pagar meio dólar cada um, importância que servirá para liquidar o débito do réu, restituindo-lhe a liberdade.

E ante a estupefação geral, acentuou:

– Estão multados por viverem numa cidade onde um homem é obrigado a roubar pão para matar a fome!…

Todos nós, habitantes de qualquer cidade do Mundo, estamos sujeitos a uma multa muito mais severa, a uma sanção muito mais grave – a frustração dos anseios de Felicidade, os desajustes intermináveis, as crises de angústia – por vivermos num planeta onde as palavras fraternidade, bondade, solidariedade, são enunciadas como virtudes raras, quando são apenas elementares deveres, indispensáveis à preservação do equilíbrio em qualquer comunidade.

Dizem os Espíritos Superiores que a Felicidade do Céu é socorrer a infelicidade da Terra. Diríamos que somente na medida em que estivermos dispostos a socorrer a infelicidade da Terra é que estaremos a caminho da Felicidade do Céu.

Não há alternativa. Podemos nos isolar da multidão aflita e sofredora, mas jamais estaremos bem, porquanto a infelicidade é o clima crônico dos que se fecham em si mesmos.

Mãos servindo são antenas que estendemos para a sintonia com as fontes da Vida e a captação das Bênçãos de Deus!

Richard Simonetti do Livro: Atravessando a Rua

18/04/2016

    

                 O Vento (Histórias de Chico Xavier)

Certa vez, uma senhora foi até Uberaba e lá, diante do Chico, começou a se queixar de que não conseguia nada do que precisava, mesmo trabalhando na Doutrina e orando dia e noite.
Ao ouvir suas queixas, Chico lhe disse:
- Quando a gente tem fé, quando confia, eles ajudam, minha filha!
Uma vez, em Pedro Leopoldo , eu ensinava catecismo às crianças, mas, um dia, me proibiram.
Eu ensinava catecismo para quarenta crianças… e fui proibido porque me tornara espírita. Fiquei em casa.
Mas as crianças queriam o tio Chico…
Então as famílias levaram as crianças lá em casa.
E eu fiquei com muita pena, porque na igreja elas tinham lanche. Já eram duas horas e eu só tinha água e uns pedacinhos de pão em casa.
Eram quarenta crianças… Como eu iria alimentar aquelas crianças?
Eu fiz uma prece e pedi a Deus que me ajudasse, porque elas não podiam ficar sem comer.
Como é que eu iria fazer?
Estávamos embaixo de uma árvore.
E, então, um vento muito estranho começou a balançar as folhas da árvore.
O vento uivava entre os galhos daquela árvore.
Uma vizinha saiu e perguntou:
— Chico, que é isso? Que barulho é esse?
— O vento…
— O vento?!… E essas crianças aí?
— Catecismo!…
— Você não deu nada para elas comerem?
— Não tenho!…
— Oh, Chico! Eu tenho, aqui, bolo e pão.
E a outra vizinha do lado também apareceu e perguntou:
— O que foi isso, Chico? Que vento foi esse?
— O vento…
— E essas crianças aí?
— O catecismo…
E assim, doze famílias se reuniram e passaram a oferecer o alimento, o lanche daquelas crianças, por causa do vento.

Autor: José Antônio V. de Paula - do livro Um Minuto com Chico Xavier.

10/04/2016

          

                                                 Solução Natural

Os Espíritos benfeitores já não sabiam como atender à pobre senhora obsidiada.

Perseguidor e perseguida estavam mentalmente associados à maneira de polpa e casca no fruto.

Os amigos desencarnados tentaram afastar o obsessor, induzindo a jovem senhora a esquecê-lo, mas debalde.

Se tropeçava na rua, a moça pensava nele…

Se alfinetava um dedo em serviço, atribuía-lhe o golpe…

Se o marido estivesse irritado, dizia-se vitima do verdugo invisível…

Se a cabeça doía, acusava-o…

Se uma xícara espatifasse, no trabalho doméstico, imaginava-se atacada por ele…

Se aparecesse leve dificuldade econômica, transformava a prece em crítica ao desencarnado infeliz…

Reconhecendo que a interessada não encontrava libertação, por teimosia, os instrutores espirituais ligaram os dois – a doente e o acompanhante invisível – em laços fluídicos mais profundos, até que ele renasceu dela mesma, por filho necessitado de carinho e compaixão.

Os benfeitores descansaram.

O obsessor descansou.

A obsidiada descansou.

O esposo dela descansou.

Transformar obsessores em filhos, com a bênção da Providência Divina, para que haja paz nos corações e equilíbrio nos lares, muita vez é a única solução.

Chico Xavier (médium)
Hilário Silva (espírito

02/04/2016

 

                            Doentes e doenças

O respeito aos doentes é dever inatacável, mas vale descrever a ligeira experiência para a nossa própria orientação.

Penetráramos o nosocômio, acompanhando um assistente espiritual que ingressava no serviço pela primeira vez, e, por isso mesmo era, ali, tão adventício em matéria de enfermagem, quanto eu próprio.

Atender a quatro irmãos encarnados sofredores, o nosso encargo inicial nas tarefas do magnetismo curativo. Designá-los-emos por números.

Em arejado aposento, abeiramo-nos deles, depois de curta oração.

O amigo de número um arfava em constrangedora dispnéia, suplicando em voz baixa:

– Valei-me, Senhor!… Ai Jesus!… Ai Jesus!… Socorrei-me!… Ó Divino Salvador!… Curai-me e já não desejarei no mundo outra coisa senão servir-vos!…

O segundo implorava, sob as dores abdominais em que se contorcia:

– Ó meu Deus, meu Deus!… Tende misericórdia de mim!… Concedei-me a saúde e procurarei exclusivamente a vossa vontade…

Aproximamo-nos do terceiro, que, mal agüentando tremenda cólica renal em recidiva, tartamudeava ao impacto de pesado suor:

– Piedade, Jesus!… Salvai-me!… Tenho mulher e quatro filhos… Salvai-me e prometo ser-vos fiel até a morte!…

Por fim, clamava o de número quatro, carregando severa crise de artrite reumatóide:

– Jesus! Jesus!… Ó Divino Médico!… Atendei-me!… Amparai-me!… Dai-me a saúde, Senhor, e dar-vos-ei a vida!…

Nosso orientador enterneceu-se. Comovia-nos, deveras, ouvir tão carinhosas referências a Deus e ao Cristo, tantos apelos com inflexão de confiança e ternura.

Sensibilizados, pusemo-nos em ação.

O chefe esmerou-se.

Exímio conhecedor de ondas e fluidos, consertou vísceras aqui, sanou disfunções ali, renovou células mais além e o resultado não se fez esperar. Recuperação quase integral para todos. Entramos em prece, agradecendo ao Senhor a possibilidade de veicular-lhe as bênçãos.

No dia imediato, quando voltamos ao hospital, pela manhã, o quadro era diverso.

Melhorados com segurança, os doentes já nem se lembravam do nome de Jesus.

O enfermo de número um se reportava, exasperado, ao irmão que faltara ao compromisso de visitá-lo na véspera:

– Aquele maldito pagará!… Já estou suficientemente forte para desancá-lo… Não veio como prometeu, porque me deve dinheiro e naturalmente ficará satisfeito em saber-me esquecido e morto…

O segundo esbravejava:

– Ora essa!… Por que me vieram perguntar se eu queria orações? Já estou farto de rezar… Quero alta hoje!… Hoje mesmo!… E se a situação em casa não estiver segundo penso, vai haver barulho grosso!

O terceiro reclamava:

– Quem falou aqui em religião? Não quero saber disso… Chamem o médico…

E gritando para a enfermeira que assomara à porta:

– Moça, se minha mulher telefonar, diga que sarei e que não estou…

O doente de número quatro vociferava para a jovem que trouxera o lanche matinal:

– Saia de minha frente com o seu café requentado, antes que eu lhe dê com este bule na cara!…

Atônitos, diante da mudança havida, recorremos à prece, e o supervisor espiritual da instituição veio até nós, diligenciando consolar-nos e socorrer-nos.

Após ouvir a exposição do mentor que se responsabilizara pelas bênçãos recebidas, esclareceu bem-humorado:

– Sim, vocês cometeram pequeno engano. Nossos irmãos ainda não se acham habilitados para o retorno à saúde, com o êxito desejável. Imprescindível baixar a taxa das melhoras efetuadas…

E, sem qualquer delonga, o superior podou energias aqui, diminuiu recursos ali, interferiu em determinados centros orgânicos mais além, e, com grande surpresa para o nosso grupo socorrista, os irmãos enfermos, com ligeiras alterações para a melhoria, foram restituídos ao estado anterior, para que não lhes viesse a ocorrer coisa pior.

Chico Xavier (médium)
Irmão X (espírito)  Livro: Idéias e Ilustrações

22/03/2016

                                                       Mesmo Ferido

O rapaz fora rudemente esbofeteado num baile. Em sã consciência, não sentia culpa alguma. Nada fizera que pudesse ofender. Por mera desconfiança, o agressor esmurrara-lhe o rosto. “Covarde, covarde” – haviam dito os circunstantes.

Ele, porém, limpando a face sanguinolenta, compreendeu que, desarmado, não seria prudente medir forças. Jurara, porém, vingar-se. E, agora, munido de um revólver, aguardava ocasião. Um amigo, no entanto, percebendo-lhe a alma sombria, instou muito e conduziu-o a uma reunião da Doutrina Espírita.

Desinteressado, ouviu preces e pregações, comentários e apontamentos edificantes.

Ao término da sessão, porém, um amigo espiritual, pela mão de um dos médiuns presentes, escreveu bela página sobre o perdão, na qual surgiam afirmações como estas:

– A justiça real vem de Deus.

– Ninguém precisa vingar-se.

– Mesmo ferido, serve e perdoa.

– A corrigenda do ofensor pode ser amanhã.

O jovem ouviu atentamente e saiu pensando, pensando…

Na manhã seguinte, topou, face a face, o desafeto, mas recordou a lição e conteve-se. Por uma semana se repetiu o reencontro, e, por sete vezes, freou-se prudentemente.

Dias depois, porém, retornado ao trabalho, encontra um enterro e descobre-se. Só então vem a saber que o grande esmurrador, aquele que o ferira, morrera na véspera, picado por escorpião.

Chico Xavier (médium)
Hilário Silva (espírito) Livro: Ideias e ilustrações

15/03/2016

                            Paz no Lar

Naquela noite, Simão Pedro tinha o coração amargurado e entristecido.

Aborrecera-se com parentes rudes e de difícil trato.

O velho tio o acusara de dilapidar os bens da família e um primo o ameaçara esbofetear.

Guardava, por isso, o semblante carregado e austero.

Procurou o Mestre e desabafou.

Ao término do longo relato, o Mestre indagou:

E que fizeste, Simão, ante a conduta de teus familiares incompreensivos?

Reagi como devia. – Respondeu apressadamente. – Coloquei cada um no seu lugar, anunciando em alto e bom tom as más qualidades de que são portadores.

Meu tio é raro exemplar de sovinice e meu primo é mentiroso contumaz.

Provei, perante numerosa assistência, que ambos são hipócritas, e não me arrependo do que fiz. – Disse Pedro, de forma veemente.

O Mestre refletiu por longos minutos e falou calmamente: - Pedro, o que faz um carpinteiro na construção de uma casa?

Trabalha, naturalmente. – Respondeu o discípulo irritadiço.

Com o quê? – Tornou a perguntar o Celeste Amigo.

Usando ferramentas. – Disse Pedro, sem entender aonde o Mestre pretendia chegar.

Após um breve momento de silêncio, Jesus continuou:

As pessoas com as quais vivemos na Terra são os primeiros e mais importantes instrumentos que recebemos do Pai, para a edificação do reino do céu em nós mesmos.

Os parentes difíceis, na maioria das vezes, são o martelo ou o serrote que podemos utilizar a benefício da nossa reforma íntima.

Em todas as ocasiões, o ignorante representa para nós um campo de benemerência espiritual; o mau é desafio que nos põe a bondade à prova; o ingrato é um meio de exercitarmos o perdão; o doente é uma lição à nossa capacidade de socorrer.

Calou-se Jesus e, talvez porque Pedro tivesse ainda os olhos cheios de questionamentos, acrescentou serenamente:

Se não ajudamos ao necessitado de perto, como auxiliaremos os aflitos distantes? Se não amamos o irmão que respira conosco os mesmos ares, como nos consagraremos a Deus que está no céu?

Depois dessas perguntas, pairou na modesta sala um expressivo silêncio que ninguém ousou interromper.

* * *

A família constitui o núcleo mais notável de aprendizagem nas atividades de renovação espiritual.

Busquemos não agredir com palavras agressivas ou com silêncios gelados aqueles que estão à nossa volta na luta doméstica.

Aprendamos a dialogar para solucionar problemas, conversando equilibradamente.

Não cobremos afeição dos amores, nem reclamemos consideração que, talvez, ainda não tenhamos feito, nem estejamos fazendo nada por merecer.

Agradeçamos mesmo as mínimas coisas, sendo gentis e alegres, sem hipocrisia.

Trabalhando com discernimento, burilando nossas próprias imperfeições, alcançaremos, pouco a pouco, a paz no lar, que há de nos propiciar, por consequência, alegria e renovação em nossa caminhada.

07/03/2016

                                                        O Médico e o Fiscal

– Se possível, acelere um pouco a marcha.

Era o abnegado médico espírita, Dr. Militão Pacheco, que rogava ao amigo que o conduzia por gentileza.

E acrescentava:

– O caso é crupe.

O companheiro ao volante aumentou a velocidade, mas, daí a momentos, um fiscal apitou.

O carro atendeu com dificuldade e, talvez por isso, a motocicleta do guarda sofreu pequeno choque sem conseqüências.

O policial, porém, não estava num dia feliz e o Dr. Pacheco com o amigo receberam uma saraivada de palavrões.

Notando que não reagiam, o funcionário fez-se mais duro e declarou que não se conformava simplesmente com a multa.

Os infratores estavam detidos.

O Dr. Pacheco deu-lhe razão e informou que realmente seguiam com pressa para socorrer um menino sem recursos, rogando, humilde, para que a entrevista com a autoridade superior fosse adiada.

– Se o senhor é médico – disse o interlocutor, com ironia -, deve proceder disciplinadamente, sem sair do regulamento. Para ser franco, se eu pudesse, meteria os dois, agora, no xadrez.

Embora o amigo estivesse rubro de indignação, o Dr. Pacheco, benevolente, fez uma proposta.

O guarda deixaria, por alguns instantes, o veículo, e seguiria com eles no carro, mantendo vigilância.

Depois do socorro ao doentinho, segui-lo-iam para onde quisesse.

Havia tanta humildade na súplica, que o fiscal concordou, conquanto repetisse asperamente os insultos.

– Aceito – exclamou -, e verificarei por mim mesmo. Ando saturado de vigaristas. E creiam que, se estão agindo com mentira, hoje dormirão no Distrito.

A motocicleta foi confiada a um colega de serviço e o homem entrou, seguindo em silêncio.

Rua aqui, esquina acolá, dentro em pouco o carro atingiu modesta residência na Lapa, em S. Paulo.

Os três entram por grande portão e caminham até encontrar esburacado casebre nos fundos.

Mas, ao ver o menino torturado de aflição nos braços de infeliz mulher, o bravo fiscal, com grande assombro dos circunstantes, ficou pálido e com os olhos rasos de água.

O petiz agonizante e a jovem senhora sem recursos eram o seu próprio filhinho e a sua própria esposa que ele havia abandonado dois anos antes…

Waldo Vieira (médium)
Hilário Silva (espírito) Livro: Almas em Desfile

29/01/2016

                                                                      Não Perdoar

Bezerra de Menezes, já devotado à Doutrina Espírita, almoçava, certa feita, em casa de Quintino Bocaiúva, o grande republicano, e o assunto era o Espiritismo, pelo qual o distinto jornalista passara a interessar-se.

Em meio da conversa, aproxima-se um serviçal e comunica ao dono da casa:

– Doutor, o rapaz do acidente está aí com um policial.

Quintino, que fora surpreendido no gabinete de trabalho com um tiro de raspão, que, por pouco, não lhe atingiu a cabeça, estava indignado com o servidor que inadvertidamente fizera o disparo.

– Manda-o entrar – ordenou o político.

– Doutor – roga o moço preso, em lágrimas -, perdoe o meu erro! Sou pai de dois filhos…                

Compadeça-se! Não tinha qualquer má intenção… Se o senhor me processar, que será de mim? Sua desculpa me livrará! Prometo não mais brincar com armas de fogo! Mudarei de bairro, não incomodarei o senhor…

O notável político, cioso da própria tranqüilidade, respondeu:

– De modo algum. Mesmo que o seu ato tenha sido de mera imprudência, não ficará sem punição.

Percebendo que Bezerra se sentia mal, vendo-o assim encolerizado, considerou, à guisa de resposta indireta:

– Bezerra, eu não perdôo, definitivamente não perdôo…

Chamado nominalmente à questão, o amigo exclamou desapontado:

– Ah! você não perdoa!

Sentindo-se intimamente desaprovado, Quintino falou, irritado:

– Não perdôo erro. E você acha que estou fora do meu direito?

O Dr. Bezerra cruzou os braços com humildade e respondeu:

– Meu amigo, você tem plenamente o direito de não perdoar, contanto que você não erre…

A observação penetrou Quintino como um raio.

O grande político tomou um lenço, enxugou o suor que lhe caía em bagas, tornou à cor natural, e, após refletir alguns momentos, disse ao policial:

Solte o homem. O caso está liquidado.

E para o moço que mostrava profundo agradecimento:

– Volte ao serviço hoje mesmo, e ajude na copa.

Em seguida, lançou inteligente olhar para Bezerra, e continuou a conversação no ponto em que haviam ficado.

Chico Xavier e Waldo Vieira (médiuns)
Hilário Silva (espírito)

29/01/2016

 

                                      A FAMA DE RICO

O Coronel Manoel Rabelo, influente fazendeiro no Brasil Central, fora acometido de paralisia nas pernas. Vivia no leito, rodeado pelos filhos atentos. Muito carinho. Assistência contínua.

No decurso da doença, veio a conhecer a Doutrina Espírita, que lhe abriu novos horizontes à vida mental. Pouco a pouco desprendia-se da idéia de posse. Para que morrer com fama de rico? Queria agora a paz, a bênção da paz.

Viúvo, dono de expressiva fortuna e prevendo a desencarnação próxima, chamou os quatro filhos adultos e repartiu entre eles os seus bens. Terras, sítios, casas e animais, avaliados em seis milhões de cruzeiros, foram divididos escrupulosamente.

Com isso, porém, veio a reviravolta. Donos de riqueza própria, os filhos se fizeram distantes e indiferentes. Muito embora as rogativas paternas, as visitas eram raras e as atenções inexistentes.

Rabelo, muito triste e quase completamente abandonado, perguntava a si mesmo se não havia cometido precipitação ou imprudência. Os filhos não eram espíritas e mostravam irresponsabilidade completa.

Nessa conjuntura, apareceu-lhe antigo e inesperado devedor. O Coronel Antonio Matias, seu amigo da mocidade, veio desobrigar-se de empréstimo vultoso, que havia tomado sob palavra, e pagou-lhe dois milhões de cruzeiros, em cédulas de contado.

Na presença de dois dos filhos, Rabelo colocou o dinheiro em cofre forte, ao pé da cama. Sobreveio o imprevisto. Os quatro filhos voltaram às antigas manifestações de ternura. Revezavam-se junto dele. Papas de aveia. Caldos de galinha. Frutas e vitaminas. Mantinham-se cobertores quentes e fiscalizavam a passagem do vento pelas janelas. Raramente Rabelo ficava algumas horas sozinho.

E, assim, viveu ainda dois anos, desencarnando em grande serenidade.
Exposto o cadáver à visitação pública, fecharam-se os filhos no quarto do morto e, abrindo aflitivamente o cofre, somente encontraram lá um bilhete escrito e assinado pela vigorosa letra paterna, entre as páginas de surrado exemplar de “O Evangelho segundo o Espiritismo”.

O papel assim dizia: “Meus filhos, Deus abençoe vocês todos. O dinheiro que me restava distribuí entre vários amigos para obras espíritas de caridade. Lego, porém, a vocês, o capitulo décimo quarto de “O Evangelho segundo o Espiritismo”.

E os quatro, extremamente desapontados, leram a legenda que se seguia:
“Honrai a vosso pai e a vossa mãe. – Piedade filial”.

Waldo Vieira (médium)
Hilário Silva (espírito)  Livro: Almas em Desfile
 

30/01/2016     

 

                      CURIOSA SELEÇÃO DE OBREIROS

Um homem saiu a recrutar pessoas para realização de um trabalho importante.

Procurou os jovens.

Muitos disseram que não tinham experiência, nem vocação para o serviço.
Senhores de meia idade alegaram compromissos inadiáveis. Alguns velhos discorreram sobre dificuldades de locomoção, raciocínio lento ou doenças que reclamavam repouso.

Disse o homem: Que farei? E teve uma idéia.

Contratou músicos e postou-se na esquina de uma praça movimentada.
Ao som de tamborins, pandeiros, reco-reco, cuícas e muita cantoria não tardou enorme ajuntamento de pessoas de todas as idades.

Era gostoso de se ver: cantavam, pulavam frenéticos. Todos queriam mostrar a boa forma e brincar, de verdade, a mais valer, com o máximo empenho.

Depois de algum tempo, dispensou os músicos e começou a falar sobre assuntos cívicos, deveres para a família, a pátria e a humanidade, coisas dessa grandeza.

Como previra, notou que poucos ficaram ouvindo; muitos se foram.
Continuou falando sobre moral e retidão do caráter, vigília religiosa e ensinos evangélicos. Aí a situação piorou. E não demorou a perceber pequena platéia ao seu redor.

Finalmente, conclamou à reduzida assembléia:
– Agora, preciso de operários. De gente para trabalhar. Quem se habilita?
Ficaram cinco jovens, duas senhoras, um homem de meia-idade e dois velhos.

Levantando as mãos para o céu o recrutador orou jubiloso:
– Graças te dou, meu Pai por me teres concedido esta pequena multidão excelente!…

Um erudito, desses bem tolos que a tudo assistia, compadecido, aproximou-se dele e colocando a mão sobre seu ombro, lhe disse:
– Pobre homem, perdeste uma multidão e ainda rendes graças? Havia mais de mil pessoas aqui…

– Ah, meu irmão! disse o homem, é porque tu não sabes… Cada um dos que ficaram vale por mil dos que se foram!

E nós, em que condição de obreiros nos situamos, quando o Pai nos solicita o auxílio na tarefa de evangelizar?

Edna C. M. Teixeira (Revista Espírita)

06/01/2016

                                   MENINA DE RUA

 

A mídia e o carisma de apresentadoras de programas de televisão propagaram e multiplicaram nomes pelos quadrantes do Brasil e romperam fronteiras: Nika é uma delas. Quem não a conhece? Passou a ser apelido de loiras e até loiros de todas as idades, pela popularidade e aceitação dessa imagem de nosso tempo. Hoje, eu vi uma Nika. Como tantas outras que se apresentam no cotidiano dos vídeos, anúncios e artigos de consumo, ela também se destacava, mesmo sem ser produzida, e me polarizou a atenção por sua presença no grupo que se formava à saída do moderno supermercado.

Em meio aos adolescentes e quase adultos, mendigos e maltrapilhos, era a única menina. Pés descalços e muito sujos, cabelos loiros, desuniformes e embaraçados, higiene pessoal comprometida e prematuros vícios de postura; sua face direita estampava uma tênue mancha escura e porosa – talvez alguma cicatriz em evolução, talvez alguma deficiência na pigmentação da pele, talvez alguma sujeira momentânea… não sei…
Desnutrida e de gestos lerdos, apesar da juventude, mais parecia uma boneca de pano, deixada ao chuvisco da tarde, esquecida e molhada.
Difícil avaliar sua idade, diante dos rigores que a vida lhe reservou; possivelmente não mais que a faixa dos anos de fantasia que alentam e fazem sonhar as mais empolgadas debutantes.

Seu nome de batismo adormeceu no passado, se é que teve a graça desse sacramento ou um registro em cartório.

Agora é simplesmente Nika, só isso.

Como se fosse um estilizado cachimbo da paz, uma garrafa de cachaça peregrinava pelo grupo de boca em boca. Uma cena de estarrecer! Do gole que lhe foi oferecido com o sabor híbrido e ardente do gargalo, ela sorveu um trago sem contrair a face, deixando escorrer as teimosas gotas pelo canto da boca e alguns respingos sobre o surrado vestido que um dia foi azul.

Olhei-a atormentado e surpreso, pelo automatismo de seu gesto, e nada disse; sequer transformei em palavras minhas idéias confusas. Ainda assim, ela me olhou sorrateira e respondeu sonora e incisiva à silenciosa pergunta que guardei no pensamento:”É melhor beber do que roubar!”

Embaralhei os gestos e palavras de sua frase espontânea, buscando uma composição para lhes descobrir lógica ou incoerência, ignorância ou sabedoria, protesto ou desabafo…

Seu olhar disse tudo e me trouxe uma verdade clara e lamentável. Hoje, eu vi uma Nika!

Adolescente sem rumo na calçada.
Sem postura, sem força de opinião.
Podia ser a minha filha.
Ou a sua.
Filha da sociedade em desunião.
Herdeira do amor pelo nada.
Os passantes nada sabem do seu ontem.
Presumem as sombras do seu amanhã.
Quanta história você já tem para contar, lembrar, esquecer!
Quanta queixa ecoa no vazio de todo dia e toda noite!
E quantos riscos, maldades e agressões você teve que enfrentar para sobreviver, caminhando pelas sendas imprevisíveis do perigo!
Que pena, amiguinha sem nome; sequer sabemos se ainda é menina, ou se a brutalidade dos homens já foi impiedosa com a sua pureza!
Que pena que a rua lhe adotou!
E nenhum de nós lhe estendeu a mão, para impedir a sua caminhada para o abismo!
Afinal, quem é mais pecador?
Aquele que não recebe ou aquele que não doa?
Quem é?
Quem somos?
Somos todos culpados.
Todos nós!

Que Deus lhe proteja Nika!
E que nos perdoe também!

Paulo de la Peña  (Livro: Cidade Viva)

23/12/2015

                      A ESCOLHA DO REPRESENTANTE

Thomas Forster, o médium principal da instituição espírita em Washington, era um veterano exigente.

Desejava enviar um representante do grupo a certo movimento de estudos doutrinários a realizar-se em Chicago, mas não queria fazê-lo sem minuciosa seleção.

– Quero um elemento puro, absolutamente puro, um cristão perfeito, se pudermos classificá-lo assim – dizia, agitando o dedo em riste, lembrando batuta em mãos de maestro nervoso.
– Mas você – falava Boland, o companheiro mais íntimo – não pode pedir o impossível. Os espíritas são homens e mulheres fazendo força na própria melhoria moral. Procuraremos um companheiro de hábitos simples, mas sem a preocupação de santidade.
Forster ria amarelo, mas não dava braços a torcer.
– Pode ser exigência minha, mas não mandaremos companheiro algum dos que eu conheça.

E num rasgo de rigorismo:

– Nem mesmo eu me considero apto. Lido com muitos negócios materiais e quero que a nossa casa se represente em Chicago por um espírita-cristão completo. Humilde, alfabetizado, amante dos sofredores e absolutamente arredado de todas as ilusões da Terra…
– Muito difícil – observava Boland, sorrindo -, onde encontrar essa ave rara, se estamos longe do Céu?

Forster lembrou que, durante quatro domingos consecutivos, enquanto pregava o Evangelho vira na última fila um homem de aspecto simpático, que não conhecia. Trajava-se com simplicidade, sem ser relaxado, mostrava olhar sereno, tipo evidentemente ponderado e esquivo a qualquer conversação ociosa.

Após ligeiro comentário, concluiu:

– Parece-me o homem ideal; se for um espírita de convicção, pelos modos que demonstra, será o representante adequado…

Combinaram, assim, ouvi-lo na próxima sessão domingueira.
No dia aprazado, lá estava o assistente desconhecido.
Enquanto Forster falava, Boland aproximou-se dele e pediu-lhe alguns minutos de atenção para depois.
E, finda a preleção, os dois amigos abeiraram-se dele.
À primeira indagação que lhe foi atirada, respondeu, calmo:

– Sim, estou fazendo o que posso para ser espírita.

Forster continuou perguntando e ele prosseguiu respondendo:

– O irmão tem vida mundana ativa?
– Quem sou eu, meu amigo? Ando em luta contínua…
– Mas dedica-se aos sofredores?
– Tenho a vida entre os que choram.
– Escolheu, assim, o caminho da caridade cristã?
– Como não, meu amigo? Ouvir aflições e estar com os necessitados de conforto é meu simples dever…
– E ajuda a todos, em sua noção de serviço social?
– Devo servir a todos… ricos e pobres, justos e injustos, moços e velhos. Não posso fazer distinção.
Encantado, o velho Thomas inquiriu, ainda:
– E o irmão procede assim espontaneamente?

O desconhecido sorriu e acentuou:

– Ah! Até certo ponto… Se eu pudesse cultivaria minhas festas e me afastaria, pelo menos um pouco, de tantos sofrimentos e tantas lágrimas!…
Foi então que Forster veio a saber que o homem trabalhava no antigo Fort Lincoln e desempenhava as funções de coveiro.

Hilário Silva (médium)
Waldo Vieira (espírito) Livro: Entre Irmãos de Outras Terras

12/12/2015

 

                                                           MENINA DE RUA

A mídia e o carisma de apresentadoras de programas de televisão propagaram e multiplicaram nomes pelos quadrantes do Brasil e romperam fronteiras: Nika é uma delas. Quem não a conhece? Passou a ser apelido de loiras e até loiros de todas as idades, pela popularidade e aceitação dessa imagem de nosso tempo. Hoje, eu vi uma Nika. Como tantas outras que se apresentam no cotidiano dos vídeos, anúncios e artigos de consumo, ela também se destacava, mesmo sem ser produzida, e me polarizou a atenção por sua presença no grupo que se formava à saída do moderno supermercado.

Em meio aos adolescentes e quase adultos, mendigos e maltrapilhos, era a única menina. Pés descalços e muito sujos, cabelos loiros, desuniformes e embaraçados, higiene pessoal comprometida e prematuros vícios de postura; sua face direita estampava uma tênue mancha escura e porosa – talvez alguma cicatriz em evolução, talvez alguma deficiência na pigmentação da pele, talvez alguma sujeira momentânea… não sei…
Desnutrida e de gestos lerdos, apesar da juventude, mais parecia uma boneca de pano, deixada ao chuvisco da tarde, esquecida e molhada.
Difícil avaliar sua idade, diante dos rigores que a vida lhe reservou; possivelmente não mais que a faixa dos anos de fantasia que alentam e fazem sonhar as mais empolgadas debutantes.

Seu nome de batismo adormeceu no passado, se é que teve a graça desse sacramento ou um registro em cartório.

Agora é simplesmente Nika, só isso.

Como se fosse um estilizado cachimbo da paz, uma garrafa de cachaça peregrinava pelo grupo de boca em boca. Uma cena de estarrecer! Do gole que lhe foi oferecido com o sabor híbrido e ardente do gargalo, ela sorveu um trago sem contrair a face, deixando escorrer as teimosas gotas pelo canto da boca e alguns respingos sobre o surrado vestido que um dia foi azul.

Olhei-a atormentado e surpreso, pelo automatismo de seu gesto, e nada disse; sequer transformei em palavras minhas idéias confusas. Ainda assim, ela me olhou sorrateira e respondeu sonora e incisiva à silenciosa pergunta que guardei no pensamento:”É melhor beber do que roubar!”

Embaralhei os gestos e palavras de sua frase espontânea, buscando uma composição para lhes descobrir lógica ou incoerência, ignorância ou sabedoria, protesto ou desabafo…

Seu olhar disse tudo e me trouxe uma verdade clara e lamentável. Hoje, eu vi uma Nika!

Adolescente sem rumo na calçada.
Sem postura, sem força de opinião.
Podia ser a minha filha.
Ou a sua.
Filha da sociedade em desunião.
Herdeira do amor pelo nada.
Os passantes nada sabem do seu ontem.
Presumem as sombras do seu amanhã.
Quanta história você já tem para contar, lembrar, esquecer!
Quanta queixa ecoa no vazio de todo dia e toda noite!
E quantos riscos, maldades e agressões você teve que enfrentar para sobreviver, caminhando pelas sendas imprevisíveis do perigo!
Que pena, amiguinha sem nome; sequer sabemos se ainda é menina, ou se a brutalidade dos homens já foi impiedosa com a sua pureza!
Que pena que a rua lhe adotou!
E nenhum de nós lhe estendeu a mão, para impedir a sua caminhada para o abismo!
Afinal, quem é mais pecador?
Aquele que não recebe ou aquele que não doa?
Quem é?
Quem somos?
Somos todos culpados.
Todos nós!

Que Deus lhe proteja Nika!
E que nos perdoe também!

Paulo de la Peña  (Livro: Cidade Viva)

04/12/2015

 

                                                                  POR 5 DIAS

Mais De seis lustros passaram.

Francisco Teodoro, o industrial suicida, experimentara pavorosos suplícios nas trevas…

Defrontado por crise financeira esmagadora, havia aniquilado a existência.

Tivera vida próspera.  À custa de ingente esforço, construíra uma fábrica.  Importando fios, conseguira tecer casimiras notáveis.  E o trabalho se lhe desdobrava, promissor.  Operários e máquinas eficientes, armazéns e lucros firmes.

Surgira, porém, a retração dos negócios.

Humilhavam-no cobranças e advertências, a lhe invadirem a casa.  Frases vexatórias espancavam-lhe os ouvidos.

– Coronel Francisco, trago-lhe as promissórias vencidas.

– Sr. Francisco, nossa firma não pode esperar.

O capitão de serviço pedia mais tempo; apresentava desculpas; falava de novas esperanças e comentava as dificuldades de todos.

Meses passaram pesadamente.

Cartas vinagrosas chegavam-lhe à caixa postal.

Devia a credores diversos o montante de oitocentos contos de réis.  A produção, abundante, descansava no depósito, sem compradores.

Procurava consolo na fé religiosa.

Por toda a parte, lia e ouvia referências à Divina Bondade.  Deus não desampara as criaturas – pensava.  Ainda assim, tentava a oração, sem abandonar a tensão.

E porque alguém o ameaçava de escândalos na imprensa, com protestos públicos, em que seria indiciado por negociante desonesto, escreveu pequena carta, anunciando-se insolvável, e disparou um tiro no crânio.

Com imenso pesar, descobriu que a vida continuava, carregando, em zonas sombrias de purgação, a cabeça em frangalhos.

Palavra alguma na Terra conseguiria descrever-lhe o martírio.  Sentia-se um louco encarcerado na gaiola do sofrimento.  Depois de trinta anos, pôde recuperar-se, internando-se em casa de reajuste, reavendo afeiçoes e reconhecendo amigos…

E agora que retornava à cidade que lhe fora ribalta ao desespero, notava, surpreendido, o progresso enorme da fábrica que lhe saíra das mãos.

Embora invisível aos olhos físicos dos velhos companheiros de luta, abraçou, chorando de alegria, os filhos e os netos reunidos no trabalho vitorioso.

E após reconhecer o seu próprio retrato, reverenciado pelos descendentes no grande escritório, veio, a saber, que acontecimento importante sucedera cinco dias depois dos funerais em que a família lhe pranteara o gesto terrível.

À face da alteração na balança comercial do país, ante a grande guerra de 1914, o estoque de casimiras, que acumulara zelosamente, produziu importância que superou de muito a quatro mil contos de réis.

Mostrando melancólico sorriso, o visitante espiritual compreendeu, então, que a Bondade de Deus não falhara.

Ele apenas não soubera esperar…

Chico Xavier (médium)
Hilário Silva (espírito) Livro: Ideias e Ilustrações

27/11/2015

 

                                                      DOENTES E DOENÇAS

O respeito aos doentes é dever inatacável, mas vale descrever a ligeira experiência para a nossa própria orientação.

Penetráramos o nosocômio, acompanhando um assistente espiritual que ingressava no serviço pela primeira vez, e, por isso mesmo era, ali, tão adventício em matéria de enfermagem, quanto eu próprio.

Atender a quatro irmãos encarnados sofredores, o nosso encargo inicial nas tarefas do magnetismo curativo. Designá-los-emos por números.

Em arejado aposento, abeiramo-nos deles, depois de curta oração.

O amigo de número um arfava em constrangedora dispnéia, suplicando em voz baixa:

– Valei-me, Senhor!… Ai Jesus!… Ai Jesus!… Socorrei-me!… Ó Divino Salvador!… Curai-me e já não desejarei no mundo outra coisa senão servir-vos!…

O segundo implorava, sob as dores abdominais em que se contorcia:

– Ó meu Deus, meu Deus!… Tende misericórdia de mim!… Concedei-me a saúde e procurarei exclusivamente a vossa vontade…

Aproximamo-nos do terceiro, que, mal agüentando tremenda cólica renal em recidiva, tartamudeava ao impacto de pesado suor:

– Piedade, Jesus!… Salvai-me!… Tenho mulher e quatro filhos… Salvai-me e prometo ser-vos fiel até a morte!…

Por fim, clamava o de número quatro, carregando severa crise de artrite reumatóide:

– Jesus! Jesus!… Ó Divino Médico!… Atendei-me!… Amparai-me!… Dai-me a saúde, Senhor, e dar-vos-ei a vida!…

Nosso orientador enterneceu-se. Comovia-nos, deveras, ouvir tão carinhosas referências a Deus e ao Cristo, tantos apelos com inflexão de confiança e ternura.

Sensibilizados, pusemo-nos em ação.

O chefe esmerou-se.

Exímio conhecedor de ondas e fluidos, consertou vísceras aqui, sanou disfunções ali, renovou células mais além e o resultado não se fez esperar. Recuperação quase integral para todos. Entramos em prece, agradecendo ao Senhor a possibilidade de veicular-lhe as bênçãos.

No dia imediato, quando voltamos ao hospital, pela manhã, o quadro era diverso.

Melhorados com segurança, os doentes já nem se lembravam do nome de Jesus.

O enfermo de número um se reportava, exasperado, ao irmão que faltara ao compromisso de visitá-lo na véspera:

– Aquele maldito pagará!… Já estou suficientemente forte para desancá-lo… Não veio como prometeu, porque me deve dinheiro e naturalmente ficará satisfeito em saber-me esquecido e morto…

O segundo esbravejava:

– Ora essa!… Por que me vieram perguntar se eu queria orações? Já estou farto de rezar… Quero alta hoje!… Hoje mesmo!… E se a situação em casa não estiver segundo penso, vai haver barulho grosso!

O terceiro reclamava:

– Quem falou aqui em religião? Não quero saber disso… Chamem o médico…

E gritando para a enfermeira que assomara à porta:

– Moça, se minha mulher telefonar, diga que sarei e que não estou…

O doente de número quatro vociferava para a jovem que trouxera o lanche matinal:

– Saia de minha frente com o seu café requentado, antes que eu lhe dê com este bule na cara!…

Atônitos, diante da mudança havida, recorremos à prece, e o supervisor espiritual da instituição veio até nós, diligenciando consolar-nos e socorrer-nos.

Após ouvir a exposição do mentor que se responsabilizara pelas bênçãos recebidas, esclareceu bem-humorado:

– Sim, vocês cometeram pequeno engano. Nossos irmãos ainda não se acham habilitados para o retorno à saúde, com o êxito desejável. Imprescindível baixar a taxa das melhoras efetuadas…

E, sem qualquer delonga, o superior podou energias aqui, diminuiu recursos ali, interferiu em determinados centros orgânicos mais além, e, com grande surpresa para o nosso grupo socorrista, os irmãos enfermos, com ligeiras alterações para a melhoria, foram restituídos ao estado anterior, para que não lhes viesse a ocorrer coisa pior.

Chico Xavier (médium)
Irmão X (espírito)  Livro: Idéias e Ilustrações

20/11/2015

 

 

                                                    As rosas do infinito

Em deslumbrante paisagem da Esfera superior, diversos mensageiros se congregavam em curioso certame. Procediam de lugares diversos e traziam flores para importante aferição de mérito.

Na praça enorme, pavimentada de substância semelhante ao jade, colunas multicores exibiam guirlandas de soberana beleza.

Rosas de todos os feitios e cravos soberbos, gerânios e glicínias, lírios e açucenas, miosótis e crisântemos exaltavam a Sabedoria do Criador em festa espetacular de cores e perfumes.

Envergando túnicas resplendentes, servidores espirituais iam a vinham, à espera dos juizes angélicos.

A exposição singular destinava-se à verificação da existência de luz divina, nos múltiplos exemplares que aí se alinhavam, salientando-se que os espécimes com maior teor de claridade celeste seriam conduzidos ao Trono do Eterno, como preito de amor e reconhecimento dos trabalhadores do bem.

Os julgadores não se fizeram esperados.

Quando a expectação geral se mostrava adiantada, três emissários da Majestade Sublime atravessaram as portas de dourada filigrana e, depois das saudações afetuosas, iniciaram o trabalho que lhes competia. Aquele que detinha mais elevada posição hierárquica trazia nas mãos uma toalha de linho translúcido, o único apetrecho que certamente utilizaria na tarefa de análise das preciosidades expostas.

Cada ramo era seguido de pequena comissão representativa do serviço espiritual em que fora elucidando.

Aproximou-se o primeiro grupo, trazendo uma braçada de rosas, tecidas com as emoções do carinho materno que, lançadas à toalha surpreendente, expediram suaves irradiações em azul indefinível, e os anjos abençoaram o devotamento das mães, que preservam os tesouros de Deus, na posição de heroínas desconhecidas.

Logo após, brilhante conjunto de Espíritos jubilosos deitou ao pano singular uma coroa de lírios, formados pelas vibrações de fervor das almas piedosas que se devotam nos templos ao culto da fé. Safirinas emanações cruzaram o espaço e os celestes embaixadores louvaram os santos misteres de todos os religiosos do mundo.

Em seguida, alegre comissão juvenil trouxe a exame delicado ramalhete de açucenas, estruturadas nos sonhos e nas esperanças dos noivos que sabem guardar a Bênção Divina, e raios verdes de brilho intraduzível se projetaram em todas as direções, enquanto os emissários do Todo-Misericordioso entoaram encômicos aos afetos santificantes das almas.

Lindas crianças foram portadoras de formosa auréola de jasmins, nascidos da ternura infantil, e que, depostos sobre a toalha miraculosa, emitiram alvíssima luz, semelhante a fios de aurora, incidindo sobre a neve.

Depois, pequeno agrupamento de criaturas iluminadas colocou, sob os olhos dos anjos, bela grinalda de cravos rubros, colhidos na renunciação dos sábios e dos heróis, a serviço da Humanidade, que exteriorizaram vermelhas emanações, quais se fossem constituídas de eterizados rubis.

E, assim, cada comissão submeteu ao trabalho seletivo as jóias que trazia.

O devotamento dos pais, os laços esponsalícios, a dedicação dos filhos, o carinho dos verdadeiros amigos, a devoção de vários matizes ali se achavam magnificamente representados pelas flores cuja essência lhes correspondia.

Em derradeiro lugar, compareceu a mais humilde comissão da festa.

Quatro almas, revelando características de extrema simplicidade, surgiram com um ramo feio e triste. Eram rosas mirradas, de cor arroxeada, mostrando pontos esbranquiçados a guisa de manchas, a desabrocharem ao longo de hastes espinhosas e repelentes. Depostas, no entanto, sobre a mágica toalha, inflamaram-se de luz solar, a irradiar-se do recinto à imensidão dos Céus.

Os três anjos puseram-se de joelhos. Inesperada comoção encheu de lágrimas os olhos espantados da enorme assembléia. E porque alguns dos presentes chorassem, com interrogações imanifestas, o grande juiz do certame esclareceu, emocionado:

– Estas flores são as rosas de amor que raros trabalhadores do bem cultivam nas sombras do inferno. São glórias do sentimento puro, da fraternidade real, da suprema consagração à virtude, porque somente as almas libertas de todo o egoísmo conseguem servir a Deus, na escória das trevas. Os acúleos que se destacam nas hastes agressivas simbolizam as dificuldades superadas, as pétalas roxas simbolizam o arrependimento e a consolação dos que já se transferiram da desolação para a esperança, e os pontos alvos expressam o pranto mudo e aflitivo dos heróis anônimos que sabem servir sem reclamar…

E, entre cânticos de transbordante alegria, as rosas estranhas subiram rutilantes do Paraíso.

Ó vós, que lutais no caminho empedrado de cada dia, enxugai as lágrimas e esperai! As flores mais sublimes para o Céu nascem na Terra, onde os companheiros de boa vontade sabem viver para a vitória do bem, com o suor do trabalho incessante e com as lágrimas silenciosas do próprio sacrifício.

Chico Xavier (médium)
Irmão X (espírito) Livro: Contos e Apólogos

13/11/2015

 

 

 

                                                      O SANTO DESILUDIDO

Inclinara-se a palestra, no lar humilde de Cafarnaum, para os assuntos alusivos à devoção, quando o Mestre narrou com significativo tom de voz:

— Um venerado devoto retirou-se, em definitivo, para uma gruta isolada, em plena floresta, a pretexto de servir a Deus. Ali vivia, entre orações e pensamentos que julgava irrepreensíveis, e o povo, crendo tratar-se de um santo messias, passou a reverenciá-lo com intraduzível respeito.

Se alguém pretendia efetuar qualquer negócio do mundo, dava-se pressa em buscar-lhe o parecer. Fascinado pela alheia consideração, o crente, estagnado na adoração sem trabalho, supunha dever situar toda gente em seu modo de ser, com a respeitável desculpa de conquistar o paraíso.

Se um homem ativo e de boa-fé lhe trazia à apreciação algum plano de serviço comercial, ponderava, escandalizado:

— É um erro. Apague a sede de lucro que lhe ferve nas veias. Isto é ambição criminosa. Venha orar e esquecer a cobiça.

Se esse ou aquele jovem lhe rogava opinião sobre o casamento, clamava, aflito:

— É disparate. A carne está submetendo o seu espírito. Isto é luxúria. Venha orar e consumir o pecado.

Quando um ou outro companheiro lhe implorava conselho acerca de algum elevado cargo, na administração pública, exclamava, compungido:

— É um desastre. Afaste-se da paixão pelo poder. Isto é vaidade e orgulho. Venha orar e vencer os maus pensamentos.

Surgindo pessoa de bons propósitos, reclamando-lhe a opinião quanto a alguma festa de fraternidade em projeto, objetava, irritadiço:

— É uma calamidade. O júbilo do povo é desregramento. Fuja à desordem. Venha orar, subtraindo-se à tentação.

E assim, cada consulente, em vista da imensa autoridade que o santo desfrutava, se entristecia de maneira irremediável e passava a partilhar-lhe os ócios na soledade, em absoluta paralisia da alma.

O tempo, todavia, que tudo transforma, trouxe ao preguiçoso adorador a morte do corpo físico.

Todos os seguidores dele o julgaram arrebatado ao Céu e ele mesmo acreditou que, do sepulcro, seguiria direto ao paraíso. Com inexcedível assombro, porém, foi conduzido por forças das trevas a terrível purgatório de assassinos. Em pranto desesperado indagou, à vista de semelhante e inesperada aflição, dos motivos que lhe haviam sitiado o espírito em tão pavoroso e infernal torvelinho, sendo esclarecido que, senão fora homicida vulgar na Terra, era ali identificado como matador da coragem e da esperança em centenas de irmãos em humanidade.

Silenciou Jesus, mas João, muito admirado, considerou:

— Mestre, jamais poderia supor que a devoção excessiva conduzisse alguém a infortúnio tão grande!

O Cristo, porém, respondeu, imperturbável:

— Plantemos a crença e a confiança entre os homens, entendendo, entretanto, que cada criatura tem o caminho que lhe é próprio. A fé sem obras é uma lâmpada apagada. Nunca nos esqueçamos de que o ato de desanimar os outros, nas santas aventuras do bem, é um dos maiores pecados diante do Poderoso e Compassivo Senhor.

Chico Xavier (Médium)  Neio lucio (Espírito)

                                                                                                                                    08/11/2015